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O Setembro Amarelo é o mês destinado à prevenção ao suicídio. Contudo, esse não é um tema que deve ficar restrito apenas a esse mês, muito pelo contrário, a prevenção ao suicídio deve estar presente em todos os meses. Mais que isso, precisamos entender que a forma como construímos nossas relações é fundamental não apenas para prevenir o suicídio, mas para promover a saúde mental!
Nesse episódio, iremos abordar um pouco como as relações saudáveis atuam na prevenção ao suicídio. Por quê? Porque este é o caminho que estamos traçando até aqui! Esse episódio é um episódio completo e, de certa forma, se basta, contudo, caso você queira ter um entendimento mais amplo e prático sobre o tema, pode conferir nossos outros episódios. A ideia central que queremos apresentar aqui é: a igreja possui papel central na construções de relações saudáveis, que por sua vez, ajuda na prevenção ao suicídio.
Nos episódios anteriores vimos como as relações com o outro são alteradas como consequência da salvação, a partir disso, a importância (e perigos) das amizades e a importância de se construir relações saudáveis para que possamos conversar temas difíceis e confessar pecados, então conversamos sobre a importância do discipulado e o papel da comunhão em tudo isso. Esses são alguns dos nossos episódios que podem muito ajudar a complementar esse. Mas, vamos logo ao ponto: O que é suicídio?
Como podemos entender o suicídio e suas causas?
De que forma nós podemos entender o suicídio e o melhor momento para agir?
O suicídio pode ser definido como um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte. Também fazem parte do que habitualmente chamamos de comportamento suicida: os pensamentos, os planos e a tentativa de suicídio.
É um comportamento com determinantes multifatoriais e resultado de uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais.
Dessa forma, deve ser considerado como o desfecho de uma série de fatores que se acumulam na história do indivíduo. É a consequência final de um processo.
O mais importante quando vamos pensar em prevenção ao suicídio é entender que não se trata de um fato isolado no tempo, mas o resultado de uma série de fatores e que se desenvolve em várias etapas. Segundo um artigo compartilhado pela própria cartilha do CFM, para cada 100 habitantes, 17 já tiveram algum tipo de pensamento suicida, 5 fizeram algum planejamento, 3 tentaram, mas apenas 1 chega a ser atendido no pronto socorro.
Quando deve ser nossa intervenção? Em todos os momentos desse processo, inclusive, antes dele se iniciar. Devemos pensar o suicídio como uma linha, em que o ato se encontra no final dessa linha. Quando pensamos em prevenção, não devemos focar apenas em uma etapa dessa linha, mas nos processos que fazem com que se caminhe para esse final, ou se retorne para o início. Se trabalharmos o fortalecimento dos fatores de proteção, e não apenas a intervenção no final do processo, teremos muito mais êxito. Mas, o que são fatores de proteção?
O que são fatores de risco e de proteção?
Quais fatores aumentam ou diminuem a probabilidade do suicídio, e como trabalhar com eles?
Digamos que você não quer sofrer com estresse. Contudo, o seu trabalho é estressante e seu chefe abusivo. Nos finais de semana, contudo, você consegue relaxar e fazer oque você realmente gosta: tricô. Mas, mesmo assim, você continua ficando estressado. O que você faz? Você decide então tomar duas atitudes: a primeira é tentar conversar com o seu chefe para ajustar a relação, de forma que você manter o desempenho no trabalho, mas sem que se desenvolva um clima hostil. A segunda é separar um pequeno tempo do seu dia para um pouco de tricô.
Essas duas mudanças geram grande impacto e diminuem o risco de você se sobrecarregar e surtar. Por quê? Porque o trabalho era um fator de risco para você, contudo, você sobre lidar com ele. Enquanto isso, o tricô era um fator de proteção, ou seja, diminuía o risco de uma sobrecarga, por te relaxar. Na prevenção em saúde mental estamos sempre buscando esse processo, de diminuir os fatores de risco e ampliar os fatores de proteção. Mas, quais são os fatores de risco para o suicídio? O levantamento feito em um artigo sobre fatores de risco e proteção na adolescência nos ajudar a entender:
Fatores de Risco
- Culturais e sociodemográficos
- Desemprego na família ou problemas financeiros
- Familiares
- Transtornos psiquiátricos e suicídio na família
- Família violenta e abusiva
- Pouco cuidado dos pais
- Expectativas elevadas ou baixas demais dos pais em relação ao filho
- Pais com autoridade excessiva ou inadequada
- Rigidez familiar
- Pouca comunicação dentro da família
- Brigas, divórcio e separações
- Estilo cognitivo e personalidade
- Humor instável
- Comportamento antissocial
- Condutas irreais
- Alta impulsividade
- Irritabilidade
- Rigidez de pensamento
- Escassa habilidade para resolver problemas
- Incapacidade de entender a realidade
- Fantasias de grandeza alternadas com sentimentos de desvalorização ou Sentimentos de inferioridade encobertos por manifestações de superioridade
- Isolamento
- Petulância
- Comportamento provocador
- Relações ambivalentes com os pais, com outros adultos ou amigos
- Perdas
- Separações de amigos, colegas ou namorado(a)
- Morte de pessoa significativa
- Doença física
- (Incluindo dor somática)
- Conflitos interpessoais e problemas de relacionamento
- Violência e trauma físico
- Problemas legais
- Envolvimento em brigas
- Transtornos psiquiátricos
- Depressão
- Transtornos de ansiedade
- Transtornos psicóticos
- Transtornos de conduta
- Transtornos alimentares
- Transtorno borderline
- Abuso de álcool e drogas
- Tentativa prévia de suicídio ou história de comportamento suicida; suicídio de amigo ou conhecido.
O artigo apresenta fatores relacionados à adolescência. Alguns fatores de risco são igualmente presentes em todas as populações, como depressão. Outros fatores são mais fortes em um que em outro, como a impulsividade na adolescência ou o desemprego na vida adulta. Outros são próprios de alguns grupos, como a aposentadoria na velhice. Devemos sempre estar atentos para as particularidades de cada grupo que estamos trabalhando. Uma boa forma de compreender essas particularidades é buscando artigos acadêmicos que tratem de cada população.
Por exemplo: um artigo sobre a adultez emergente aponta médias superiores em ansiedade social, em pessoas com ideação suicida, enquanto que pessoas sem ideação apresentam médias superiores em autoeficácia, autoestima e relacionamento familiar. Outro artigo, sobre níveis de ideação suicida em jovens adultos, apontaram efeitos estatísticos com significado nas comparações por escolaridade, estatuto ocupacional, viver sozinho e presença de perturbação de ansiedade e/ou depressão.
Fatores de proteção
- Culturais e sociodemográficos
- Valores culturais
- Lazer
- Esporte
- Religião
- Boas relações com amigos e colegas
- Boas relações com professores e outros adultos
- Apoio de pessoas relevantes
- Amigos que não usem drogas
- Familiares
- Boa relação com os membros da família
- Apoio e confiança familiar
- Estilo cognitivo e personalidade
- Boas habilidades sociais
- Busca por ajuda e conselhos
- Senso de valor pessoal
- Abertura para novas experiências e aprendizados
- Habilidade em comunicar-se
- Receptividade com a ajuda dos outros
- Projetos de vida
- Fatores ambientais
- Dieta saudável
- Boa qualidade do sono
- Atividade física]
Embora devamos sempre ficar atentos aos fatores de risco, investir nos fatores de proteção é fundamental! Principalmente pelo fato de que eles ajudarão a desenvolver os recursos para lidar com os fatores de rico. Alguns fatores, como abuso ou perda de ente querido, não podem ser simplesmente excluídos. Nesses casos, os fatores de proteção nos ajudam a lidar com eles. Trabalhos como o da Dr. Elisa Leão, sobre resiliência, incluindo a tese dela sobre “Novas perspectivas entre resiliência e espiritualidade através de escalas psicológicas” ajudam a aprender como trabalhar esses fatores de proteção e o papel da igreja nesse processo.
De que forma a unidade da igreja pode auxiliar como fator de proteção?
Como podemos aplicar tudo o que viemos debatendo nos demais episódios na prevenção ao suicídio?
O amor seja sem hipocrisia. Detestai o mal, apegai-vos ao bem; em amor fraternal, sede afeiçoados ternamente uns aos outros; na honra, dê cada um de vós preferência aos outros; no zelo, não sejais remissos; no espírito, sede fervorosos; servi ao Senhor; na esperança, sede alegres; na tribulação, pacientes; na oração, perseverantes; socorrei as necessidades dos santos; exercitai a hospitalidade. Abençoai aos que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram. Tende o mesmo sentimento uns para com os outros; não cuideis nas coisas altivas, mas acomodai-vos às humildes. Não sejais sábios aos vossos olhos.
Romanos 12.9-16
Uma questão é fundamental: o suicídio, importa? A pessoa que tira a própria vida, importa? Ela vale o trabalho e o esforço você ter que se informar, estar atento a fatores de risco e proteção, se esforçar para se engajar em uma conversa sobre o assunto com a pessoa e no processo de cuidado? Acima de tudo, o que vamos aprender com a Igreja é a nos importarmos! Apenas através da obra de Cristo em nossas vidas poderemos verdadeiramente amar, dar preferência ao outro, orarmos pelo outro, sermos hospitaleiros, nos alegrarmos com o outro quando preciso e nos entristecermos quando necessário.
Esse amor será a cola da unidade, e essa unidade nos fará nos impostarmos. Não um “se importar” apenas de palavras, mas de atitudes. E são essas atitudes, esse ser igreja que fará toda a diferença na prevenção ao suicídio. Esse se importar prático nos ajudará a construir um ambiente seguro para aqueles que sofrem, onde poderão compartilhar seus problemas e serem ajudados.
Como podemos afinar nossa atenção para o sofrimento para o outro?
“Empatia“: O que é? Onde vive? O que come?
Para entendermos como podemos afinar nossa atenção, nos preparando para atuar na prevenção ao suicídio, devemos entender o conceito de empatia. Essa palavra é muito utilizada, embora nem sempre se saiba exatamente o que significa e, junto do crescimento do seu uso, pode vir uma diminuição do seu significado. Assim, vamos usar uma definição mais técnica do seu significado ) :
Empatia: Capacidade de compreender e sentir o que alguém pensa e sente em uma situação de demanda afetiva (positiva ou negativa), comunicando-lhe adequadamente tal compreensão e sentimento.
Nessa definição, alguns pontos devemos nos chamar muito a atenção: primeiro, que não devemos necessariamente “sentir”, mas devemos entender o sentimento/pensamento do outro. Caso a outra pessoa esteja se deixando levar pelos sentimentos, star ancorado e ajudar a outra pessoa a pensar pode ser algo positivo.
Além disso, é fundamental quando trabalhamos com a empatia a habilidade em “demonstrar empatia”. Muitas vezes nós conseguimos perceber e entender como a outra pessoa está se sentindo, mas não necessariamente sabemos como demonstrar isso. Nesses momentos, pode ser que a outra pessoa sinta que não está sendo percebida ou compreendida.
Par ajudar nesse processo, existem alguns sinais de que a outra pessoa pode estar em sofrimento e/ ou pensando em suicídio. Entre eles estão:
- Relutante em sair tanto
- Visivelmente ansioso
- Agindo estranho ou ficando com raiva sem motivo
- Se colocando em situações de grande risco/risco de vida
- Falando sobre se sentir sem esperança
- Tomando mais drogas ou álcool do que antes
- Despreocupado com seus trabalhos escolares
- Prejudicando-se
Como podemos agir de forma prática a partir dessa percepção?
Ou: como, afinal, podemos demonstrar empatia?
Nesse caso, precisamos, nos engajar em um processo de escuta ativa. Não se trata de “tentar ser ativo no processo, sempre tentando falar e sempre tentado dizer algo para ajudar”, se trata de estar verdadeiramente presente no momento da escuta, buscando realmente ouvir e compreender o que o outro está sentido, ajudando o outro a se expressar, e não buscando sempre “dar soluções”. Algumas das técnicas para ajudar o outro a se comunicar são:
- Reflexão: O que você pensa que pode acontecer agora?
- Paráfrase: Você disse que ficou muito abalado…
- Síntese: Então você decidiu esclarecer tudo com ele?
- Reflexão do sentimento: É compreensível tudo o que você sentiu…
Como manejar situações em que há desejo de morte?
Alguns pontos que podem surgir na conversa.
Assim, como auxílio para ajudar na prevenção ao suicídio, a supracitada cartilha do CFM aponta três das características mais comuns em pessoas com forte ideação suicida e como lidar com elas:
“O funcionamento mental gira em torno de três sentimentos:
- Intolerável (não suportar);
- Inescapável (sem saída);
- Interminável (sem fim).
Existe uma distorção da percepção de realidade com avaliação negativa de si mesmo, do mundo e do futuro. Há um medo irracional e uma preocupação excessiva. O passado e o presente reforçam seu sofrimento e o futuro é sombrio, sem perspectiva e com ausência de planos. Surge a ideação e a tentativa de suicídio, que pode culminar com o ato suicida. O peso da decisão de morrer repousa na interpretação dos eventos e a maioria das pessoas, quando saudável, não interpreta nenhum evento como devastador o suficiente para justificar o ato extremo.”
Em momentos como esse, devemos estar prontos para ouvir o outro sem emitir julgamentos (como julgar a pessoa fraca por não suportar algo que, para você, seria tranquilo), mas ajudando o outro a desenvolver recursos para lidar com a situação e encontrar uma saída. Embora precisemos pensar a prevenção ao suicídio como algo que construímos ao longo das relações, em momento como este devemos estar especialmente preparados.
Links:
Podcasts sobre o tema
- 15 – Administrando o Luto com um Deus que chora
- 31 – Ajudando o Seu Filho a Lidar com Perdas
- 46 – Vencendo a Ansiedade: Um Exercício Diário
- 74 – Por Que Estamos Tão Sozinhos?
Confira também: Noruhodo! #98 – Por que precisamos falar sobre suicídio?
Referências bibliográficas:
SetembroAmarelo.org
Suicídio: Informando para prevenir - CFM
Botega, Neury José, Barros, Marilisa Berti de Azevedo, Oliveira, Helenice Bosco de, Dalgalarrondo, Paulo, & Marín-León, Letícia. (2005). Suicidal behavior in the community: prevalence and factors associated with suicidal ideation. Brazilian Journal of Psychiatry, 27(1), 45-53.
Werlang, Blanca Susana Guevara ; Borges, Vivian Roxo ; Fensterseifer, Liza . Fatores de Risco ou proteção para a presença de ideação suicida na adolescencia. Interamerican Journal of Psychology , Porto Alegre, v. 39, n.2, p. 259-266, 2005.
Pereira, Anderson Siqueira, Willhelm, Alice Rodrigues, Koller, Silvia Helena, & Almeida, Rosa Maria Martins de. (2018). Fatores de risco e proteção para tentativa de suicídio na adultez emergente. Ciência & Saúde Coletiva, 23(11), 3767-3777.
VASCONCELOS-RAPOSO, José, SOARES, Ana Rita, SILVA, Filipa, FERNANDES, Marcos Gimenes, & TEIXEIRA, Carla Maria. (2016). Níveis de ideação suicida em jovens adultos. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(2), 345-354.
Leão, E. M. S. F. (2017). Novas perspectivas entre resiliência e espiritualidade através de escalas psicológicas. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das Relações Interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes
Músicas Utilizadas:
- Lee Rosevere – Music For Podcasts, Going Home, – Licensa CC BY 4.0
- Purple Planet Music, Disponíveis – Licensa CC BY 3.0